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Prefácio do livro “Revolução das plantas – Um novo modelo para o futuro”, de Stefano Mancuso, conta por que as plantas têm muito a ensinar aos humanos
Imagem de Leandro Silva

A Ubu Editora é parceira da revista Parepense e gentilmente autorizou a publicação do prefácio do livro “Revolução das plantas – Um novo modelo para o futuro”, de Stefano Mancuso, que pode ser adquirido com desconto em seu site

Repare:

– existem inúmeras formas de inteligência no planeta Terra além da humana. A das plantas é uma delas, embora ainda seja bastante desconhecida por leigos e cientistas;

– a inteligência do reino vegetal é pouco valorizada pela academia quando comparada à vasta pesquisa e produção de conhecimento associada ao reino animal;

– as plantas são solidárias, sábias e se perpetuam apesar de ataques de todo tipo (secas, chuvas, devastação etc) porque vivem em rede embaixo do solo, trocando informações e recursos democraticamente;

– ao contrário da organização cognitiva animal, que se concentra no cérebro de cada indivíduo, a inteligência das plantas é distribuída e fortalecida por todas elas, visando a sobrevivência coletiva.

Prefácio do livro “Revolução das plantas – Um novo modelo para o futuro”, de Stefano Mancuso, Ubu Editora

Tenho a impressão de que a maioria das pessoas não percebe a real importância das plantas para a vida humana. É claro que todos sabem – ou pelo menos espero que saibam – que respiramos graças ao oxigênio produzido pelos vegetais e que toda a cadeia alimentar, e, portanto, a comida que alimenta todos os animais da Terra, baseia-se nas plantas. Mas quantos têm clareza de que petróleo, carvão, gás e todos os chamados recursos energéticos não renováveis são nada mais do que formas diferentes da energia solar fixada pelas plantas há milhões de anos? Quantos sabem que os princípios ativos dos remédios são, em grande parte, de origem vegetal? Ou que a madeira, graças às suas características surpreendentes, ainda é o material de construção mais utilizado em muitas áreas do mundo? Nossa vida, assim como a de qualquer outra forma animal neste planeta, depende do mundo das plantas.

Pode-se pensar que já sabemos tudo sobre organismos tão importantes para a sobrevivência da humanidade – e dos quais grande parte da economia depende. De maneira nenhuma: apenas em 2015 foram descobertas 2034 novas espécies de plantas. E não pense que são plantinhas microscópicas que escaparam à atenção dos botânicos; uma delas, a Gilbertiodendron maximum, é uma árvore endêmica da floresta tropical do Gabão, com cerca de 45 metros, tronco que pode atingir um metro e meio de diâmetro e massa total de mais de cem toneladas. E 2015 não foi um caso excepcional. Na última década, o número de novas espécies descritas ultrapassou 2 mil por ano.

É sempre um bom negócio pesquisar novas plantas. Nunca se sabe o que é possível descobrir. Mais de 31 mil espécies diferentes têm uso documentado; entre elas, quase 18 mil são utilizadas para fins medicinais, 6 mil para alimentação, 11 mil como fibras têxteis e materiais de construção, 1 300 para usos sociais (como em rituais religiosos e como drogas), 1600 como fonte de energia, 4 mil como alimento para animais, 8 mil para propósitos ambientais, 2500 como venenos etc. A conta pode ser feita rapidamente: cerca de um décimo das espécies tem uso imediato para a humanidade. Como disse, trata-se de um bom negócio. Poderia se tornar ótimo negócio se começássemos a usar plantas não só pelo que elas produzem, mas também pelo que podem nos ensinar.

De fato, elas são um modelo de modernidade; e o propósito deste livro é deixar isso claro. Dos materiais à autonomia energética, da resistência às estratégias adaptativas, as plantas encontraram desde tempos imemoriais as melhores soluções para a maioria dos problemas que afligem a humanidade. Basta saber como e onde procurar.

Entre 400 milhões e 1 bilhão de anos atrás, diferentemente dos animais, que escolheram se mexer para encontrar alimento, algo indispensável, as plantas tomaram uma decisão oposta no aspecto evolutivo. Elas preferiram não se mover, obtendo do Sol toda a energia necessária para sobreviver e adaptando o próprio corpo à predação e a inúmeras outras restrições decorrentes do fato de estarem enraizadas no solo. Isso não é nada fácil. Tentem pensar como é complicado permanecer vivo em um ambiente hostil, incapaz de se mover. Imaginem que vocês sejam uma planta, cercada por insetos, animais herbívoros e predadores de todas as espécies, e não podem fugir. A única maneira de sobreviver é ser indestrutível; ser constituída de forma inteiramente diferente de um animal. Ser, com efeito, uma planta.

Para evitar os problemas relacionados à predação, as plantas evoluíram em uma direção única e insólita, desenvolvendo soluções tão distantes das dos animais que são, para nós, o próprio exemplo da diversidade. Organismos tão diferentes de nós que poderíamos muito bem considerá-las alienígenas. Muitas das soluções desenvolvidas pelas plantas são exatamente o oposto daquelas criadas pelo mundo animal. Os animais se movem, as plantas ficam paradas; os animais são rápidos, as plantas, lentas; animais consomem, plantas produzem; os animais geram co2, as plantas fixam co2… E assim por diante, até a oposição decisiva, a mais importante e a mais desconhecida: a que se estabelece entre difusão e concentração. Qualquer função que nos animais é confiada a órgãos específicos, nas plantas é espalhada por todo o corpo. É uma diferença fundamental, cujas consequências são difíceis de entender por completo. Uma estrutura tão diferente é exatamente uma das razões pelas quais as plantas nos parecem tão diferentes.

Os humanos sempre buscaram substituir, expandir ou melhorar algumas funções humanas. Na prática, o homem sempre tentou reproduzir os fundamentos da organização animal na fabricação de seus instrumentos. Tomemos o computador. Ele é projetado conforme esquemas ancestrais: um processador, representando o cérebro, cuja função é governar o hardware, e depois discos rígidos, memória RAM, placas de vídeo e de áudio… Essa é a mera transposição de nossos órgãos em um modelo sintético. Tudo o que o homem projeta tende a ter, de maneira mais ou menos óbvia, esta arquitetura: um cérebro central que governa e órgãos que executam seus comandos. Até as sociedades são organizadas de acordo com essa configuração arcaica, hierárquica e centralizada. Um modelo cuja única vantagem é fornecer respostas rápidas – por isso nem sempre corretas –, mas muito frágil e nada inovador.

Mesmo sem ter qualquer órgão semelhante a um cérebro central, as plantas podem perceber o ambiente que as rodeia com uma sensibilidade mais elevada que a dos animais; competem ativamente pelos limitados recursos disponíveis no solo e na atmosfera; avaliam com precisão as circunstâncias; realizam análises sofisticadas de custo-benefício; e, finalmente, definem e realizam ações apropriadas em resposta aos estímulos ambientais. O caminho tomado por elas, portanto, é uma alternativa a ser levada em conta, especialmente em tempos em que a percepção das mudanças e a elaboração de soluções inovadoras tornam-se atitudes fundamentais.

Qualquer organização centralizada é inerentemente fraca. Em 22 de abril de 1519, Hernán Cortés desembarcou no México, na atual Veracruz, com cem marinheiros, cerca de quinhentos soldados e alguns cavalos. Dois anos depois, em 13 de agosto de 1521, a queda da capital Tenochtitlán marcou o fim da civilização asteca. O mesmo destino teriam os Incas pelas mãos de Francisco Pizarro, alguns anos depois, em 1533. Em ambos os casos, exércitos menores conseguiram derrubar impérios grandes, seculares e frágeis, graças à captura de seus governantes: Montezuma e Atahualpa. Isso ocorreu porque os sistemas centralizados são delicados. Algumas centenas de quilômetros ao norte de Tenochtitlán, os Apache – muito menos avançados que os Asteca, mas que, ao contrário deles, não tinham nenhum tipo de poder centralizado – resistiram a Cortés, mesmo depois de uma longa guerra.

As plantas incorporam um modelo muito mais resistente e moderno que o dos animais; elas são a representação viva de como a solidez e a flexibilidade podem ser combinadas. Sua composição modular é a quintessência da modernidade: uma arquitetura cooperativa, distribuída, sem centros de comando, capaz de resistir perfeitamente a repetidos eventos catastróficos sem perder a funcionalidade e de se adaptar com rapidez a enormes mudanças ambientais.

A organização anatômica complexa e as principais funcionalidades da planta requerem um sistema sensorial bem desenvolvido, que permite ao organismo explorar o ambiente de forma eficiente e reagir de imediato a eventos potencialmente prejudiciais. Assim, para utilizar os recursos do meio ambiente, as plantas se valem, entre outras coisas, de uma rede de raízes refinada, constituída por ápices que se desenvolvem de forma contínua e exploram ativamente o solo. Não é por acaso que a internet, o próprio símbolo da modernidade, é construída na forma de uma rede de raízes.

Quando se trata de força e inovação, nada se iguala às plantas. Graças à evolução – que as levou a desenvolver soluções muito diferentes daquelas encontradas pelos animais –, elas são, desse ponto de vista, organismos muito mais modernos. Seria bom levarmos isso em conta ao projetar nosso futuro.

Stefano Mancuso

Botânico, professor do departamento de agricultura, alimentação, meio ambiente e silvicultura na Universidade de Florença, na Itália

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