Artigo originalmente publicado no site The Conversation, em 5 de maio de 2016
Repare:
- a leitura compartilhada envolve a ideia de ler uma história em conjunto, entre professores e alunos, ou pais e filhos, fazendo perguntas, observações e trocas de ideias sobre o conteúdo que estimulem o engajamento da criança;
- a autora aponta os benefícios dessa prática, especialmente em família, fazendo um contraponto à leitura que é feita pela criança sozinha, sem o apoio e o envolvimento de um adulto;
- segundo pesquisas, a leitura compartilhada aumenta o vocabulário e conceitos da criança, amplia a linguagem oral, a criatividade, a compreensão e a escrita;
- estudos revelaram avanços no letramento até mesmo para pais não alfabetizados ou que estavam aprendendo outro idioma. Ao participarem da leitura compartilhada, a linguagem deles evoluiu;
- de acordo com a autora, os resultados também são obtidos com momentos compartilhados em torno de filmes, desenhos, podcasts, aplicativos e games com caráter educativo.
Se você é pai ou professor, provavelmente lê histórias para crianças pequenas. Juntos, vocês riem e apontam para as imagens. Você os envolve com algumas perguntas simples. E eles respondem.
E o que acontece quando as crianças participam da leitura compartilhada? Isso faz diferença no aprendizado delas? Em caso afirmativo, que aspectos da aprendizagem são afetados?
Leitura compartilhada para o desenvolvimento da linguagem
O pesquisador britânico Don Holdaway foi o primeiro a apontar os benefícios da leitura compartilhada. Ele observou que as crianças consideram esses momentos alguns dos mais felizes. Ele também descobriu que as crianças desenvolveram associações positivas e fortes com a linguagem falada e com o próprio livro físico durante esses momentos.
Desde então, vários estudos foram realizados mostrando o valor da leitura compartilhada no desenvolvimento da linguagem infantil, especialmente no desenvolvimento de vocabulário e de conceitos.
A pesquisadora da primeira infância Vivian Paley, por exemplo, durante seu trabalho nas Escolas Laboratoriais da Universidade de Chicago, descobriu que as crianças do jardim de infância aprendiam quando uma história era dramatizada na leitura compartilhada. As crianças não apenas desenvolveram a linguagem oral, mas também aprenderam as convenções de uma história como personagem, enredo e temas. Na narração compartilhada de histórias, as crianças também aprenderam a usar a linguagem de diversas maneiras.
Outras pesquisas constataram que a leitura compartilhada estava relacionada ao desenvolvimento de vocabulário expressivo. Ou seja, as crianças aprimoraram habilidades auditivas e construíram uma compreensão da gramática e também do vocabulário no contexto da história.
Conectando palavras a emoções
Como pesquisadora de linguagem e alfabetização, trabalho com professores para elaborar estratégias de leitura que promovam o interesse das crianças pela leitura e as ajudem a pensar criticamente. Em conjunto com Kay Cowan, uma pesquisadora da primeira infância que estuda o papel das artes na aprendizagem de línguas, conduzimos dois estudos para compreender o desenvolvimento da linguagem das crianças do primeiro ao quinto ano.
Trabalhamos com aproximadamente 75 crianças de todas as séries. Começamos nosso estudo do idioma conversando com os alunos sobre o poder das palavras e o papel que elas desempenham dentro e fora da escola. Em seguida, discutimos os prazeres associados às palavras. Também lemos Shadow, um premiado livro ilustrado da autora infantil Marcia Brown, e poemas de Shel Silverstein, outro autor infantil.
As crianças foram, então, convidadas a pensar em um acontecimento “absolutamente maravilhoso” que tinham vivido e a associá-lo a uma emoção. As crianças escolheram um evento pessoal que despertou emoções. Elas desenharam imagens contrastantes da palavra associada a esse evento, expressando emoções opostas, e estudaram sinônimos e antônimos para compreender as “tonalidades de significado”. Elas finalmente criaram uma poesia para descrever essa emoção.
Todas as crianças – mesmo aquelas que sentiam que corriam o risco de falhar – usaram uma linguagem vívida. As crianças descreveram palavras como “efervescente” e “melancólico” de maneiras relacionadas às suas próprias emoções.
Uma criança associou a palavra “exultante” a “brilhante” e “alegre” e “nunca pedindo nada”. “Efervescente” foi equiparado a “caloroso” e “parecido com um cigano” e assim por diante. Outro participante identificou a solidão como “… me fazendo sentir frio/Como um pingente de gelo/querer derreter”.
Após este exercício, as crianças notaram que sua escrita ficou muito melhor. A atividade mostrou como a leitura ampla e variada, a repetição e as associações entre palavras distintas foram extremamente importantes para que as crianças adquirissem uma compreensão profunda e flexibilidade verbal, sendo capazes de expressar o significado da palavra de diferentes maneiras.
Por que a família é importante
A qualidade das trocas realizadas entre crianças e adultos durante a leitura partilhada é considerada crítica para seu desenvolvimento linguístico. Portanto, o papel da família na leitura compartilhada é crucial.
Estudos de longo prazo realizados pela antropóloga linguística Shirley Brice Heath e outros estudiosos da alfabetização documentaram a capacidade de leitura das crianças em relação às crenças de suas famílias sobre a leitura, a qualidade da conversa em casa e o acesso a materiais impressos antes de sua entrada na escola.
Durante dez anos, Heath estudou duas comunidades separadas por alguns quilômetros: uma da classe trabalhadora negra e uma da classe trabalhadora branca. Ela documentou como as práticas familiares (contar histórias orais, ler livros, conversar etc) influenciaram o desenvolvimento da linguagem das crianças em casa e na escola. Foi observado como as crianças liam e conversavam sobre histórias, como faziam perguntas sobre as histórias ou contavam histórias sobre as suas vidas, acontecimentos e situações em que estiveram envolvidas. Os pais buscavam engajar seus filhos nessas experiências de modo a prepará-los para um bom desempenho na escola.
Da mesma forma, a pesquisadora Victoria Purcell-Gates trabalhou com uma família dos Apalaches, especificamente com a mãe Jenny e o filho Donny, para ajudá-los a aprender a ler. Com Jenny, elas leram e conversaram sobre livros ilustrados, ouviram audiolivros e escreveram em um diário. Com Donny, eles compartilharam leituras, descreveram fotos e escreveram histórias. Jenny aprendeu a ler livros ilustrados para os filhos, enquanto Donny aprendeu a escrever cartas para o pai na prisão.
Outros pesquisadores descobriram que quando os pais, especificamente as mães, sabiam como interagir com os seus filhos durante a leitura partilhada, utilizando reforço positivo e fazendo perguntas sobre a história, tanto as crianças quanto adultos se beneficiavam desse momento.
As mães aprenderam a fazer perguntas abertas e estimularam os filhos a reagir às histórias. As crianças ficaram mais envolvidas e entusiasmadas com esta experiência. Elas conseguiram falar mais sobre o conteúdo da história e sobre a relação entre as imagens e a história.
Além disso, também foi demonstrado que experiências de histórias compartilhadas influenciam a compreensão das crianças sobre conceitos matemáticos e geométricos no jardim de infância.
As crianças aprendem mais facilmente conceitos matemáticos como números, tamanho (maior, menor) e estimativa/aproximação (muitos, poucos) quando os pais se envolvem em “conversas de matemática” ao lerem livros ilustrados.
Leitura compartilhada em um mundo digital
Embora a leitura partilhada seja frequentemente associada a livros impressos, a leitura partilhada pode ser estendida a textos digitais, como blogs, podcasts, mensagens de texto, vídeo e outras combinações complexas de impressão, imagem, som, animação, etc.
Bons videogames, por exemplo, incorporam muitos princípios de aprendizagem, como interação, resolução de problemas e tomada de riscos. Tal como na leitura partilhada, as crianças interagem com os pais, professores ou colegas à medida que contam histórias.
“…a leitura partilhada deve ser uma experiência
divertida para a criança”
O estudo de caso do pesquisador de alfabetização Jason Ranker sobre Adrian, de 8 anos, mostra que crianças pequenas podem realmente “redesenhar” a forma como as histórias são lidas, discutidas e contadas quando se envolvem ativamente com narrativas de videogame.
Adrian, que jogava o game Gauntlet Legends, criou uma história na aula de Ranker, à qual adicionou vários desenhos com o intuito de mostrar o movimento dos personagens.
Neste estudo de caso, Ranker descobriu que crianças como Adrian, que jogam videogame, aprendem a produzir histórias que não seguem o padrão linear encontrado nas histórias impressas (exposição, clímax e resolução). Em vez disso, as crianças vivenciam histórias em “níveis” que permitem que personagens e enredos se movam em muitas direções, chegando finalmente a uma resolução.
Da mesma forma, as crianças com acesso a determinados aplicativos coordenam a narrativa em uma tela sensível ao toque. Elas escolhem personagens, os movem com os dedos e os arrastam e soltam dentro e fora da história. Se quiserem criar narrativas mais complexas, trabalham com outras pessoas para coordenar os movimentos dos personagens. Compartilhar histórias, então, torna-se colaborativo, imaginativo e dinâmico através desses meios digitais.
As crianças, em essência, redesenharam a forma como as histórias são contadas e vivenciadas, demonstrando imaginação, visão e resolução de problemas.
Fica claro nas pesquisas que o desenvolvimento de uma linguagem rica e complexa não acontece simplesmente apontando para letras ou pronunciando palavras fora do contexto. É o envolvimento e a atenção orientada às convenções linguísticas que importam na leitura partilhada.
Em última análise, o importante é que a leitura partilhada seja uma experiência divertida para a criança. A partilha de histórias deve propiciar uma ligação pessoal e uma aprendizagem partilhada entre pais e filhos.
Peggy Albers
Professora de Educação em Línguas e Alfabetização, na Universidade do Estado da Geórgia (EUA)