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Kleber Wedemann, executivo e advogado, revela como aprendeu a transformar as dificuldades e limitações impostas pela doença dos "ossos de vidro" em uma rica oportunidade de aprendizado, empatia e crescimento profissional
Imagem da Freepik

Repare:

  • portador de uma síndrome rara, o autor enfrentou uma série de cirurgias, internações e procedimentos médicos difíceis ao longo da vida;
  • sua formação acadêmica e carreira sofreram diversas interrupções e mudanças de rota, o que não o impediu de consolidar uma trajetória profissional de sucesso e conquistas;
  • Wedmann atribui à própria doença, e tudo o que aprendeu e superou com ela, sua capacidade de ser obstinado, autodidata, solidário e hábil em cargos de liderança;
  • ao considerar a imperfeição sua principal qualidade, o autor mostra como a realização de sonhos não depende de perfeição, mas de reconhecer o que faz cada um ser especial.

Qualquer um que já tenha participado de um processo seletivo em busca de um novo emprego, certamente se deparou com a clássica pergunta dos recrutadores: “Qual é a sua maior qualidade?”.

Pus-me a pensar recentemente sobre qual seria a minha resposta para tal arguição, e não foi difícil chegar a uma conclusão. Ser IMPERFEITO.

Mas em que acepção, multiverso, filosofia da moda (do tipo “sou estoico”) ser imperfeito significaria uma qualidade, indaga você, leitor. No meu caso, não conseguiria descrever de forma mais objetiva e fundamental a qualidade para o caminho profissional que até aqui trilhei.

Sou portador de uma síndrome rara chamada osteogênese imperfeita, popularmente conhecida como doença dos “ossos de vidro”. Por conta disso, convivi com a imperfeição durante toda a minha vida. Busquei a etimologia da palavra imperfeito, do latim “imperfectus”, e além do óbvio significado, me deparei também com uma designação que não conhecia, a de incompleto, que não se acabou.

Profissionais reais nunca são perfeitos e profissionais perfeitos nunca são reais. Eu sempre busquei a melhoria contínua e não a perfeição. A sensação – ou fatalidade — de não completude em minha vida instintivamente levou-me a desenvolver esse hábito de almejar a constante evolução. A certeza de que ainda não acabou me fez adotar o progression over perfection. Você não está completo, ainda não está perfeito e ainda não acabou!

“Os desafios nunca me desviaram do meu objetivo de me desenvolver profissionalmente”

A osteogênese imperfeita interfere na composição do colágeno em meus ossos, consequentemente tornando-os mais frágeis. Colecionei ao longo da vida cerca de 140 fraturas ósseas, uma boa parte delas resultou em cirurgias de correção dolorosas e complexas, que demandaram um tempo de recuperação longo, com sessões de fisioterapia, terapia ocupacional e musculação assistida.

Interrupções e pausas foram responsáveis, por exemplo, pelo fato de que, após ser aprovado num dos mais prestigiados vestibulares do Brasil (ECA-USP), eu tivesse que abandonar o curso de Publicidade e Propaganda por diversas vezes. Levei anos para concluí-lo, por conta de uma série de cirurgias.

Os desafios nunca me desviaram do meu objetivo de me desenvolver profissionalmente. Ao contrário, atribuo a esta realidade factual, a paixão e o hábito que desenvolvi pelo “#LifeLongLearning. Estudava obstinadamente tudo relacionado às disciplinas do curso de publicidade, além de Marketing, Comunicação, Marketing Digital (então uma novidade), sendo autodidata, uma vez que convalescia por longos meses.

Aos 26 anos, precisamente no dia em que recebi minha primeira promoção para uma gerência América Latina em uma das maiores big tech globais, sofri uma queda. Ato contínuo, precisei de uma cirurgia corretiva que demandou uns oito meses de recuperação, no “estaleiro”.

Dessa situação, à primeira vista desesperadora, depreendi dois pontos: o primeiro que, a despeito de nós, executivos, sermos treinados para nos tornarmos verdadeiras “máquinas de silogismo”, colocando em prática constante uma lógica Aristotélica de premissa + premissa = conclusão (que podemos substituir por execução, no caso em tela), ainda é possível ter empatia.

“Dois dias depois da cirurgia já estava trabalhando e a oportunidade de fazer tudo de casa era novidade à época”

No hospital, recebi a visita do então country manager da empresa e do meu líder direto, oferecendo-me todo o apoio em minha recuperação, mas, acima de tudo, deixando claro que a minha posição estava garantida e que, ao meu retorno, tomaria as rédeas da nova equipe.  Perguntei-me naquele momento “Onde está John Galt?” e, felizmente, descobri que quase em lugar nenhum no mundo corporativo real!

Notei também, pela primeira vez, que o trabalho remoto era tão ou mais eficiente que o presencial. Não fiquei de licença médica na ocasião. Dois dias depois da cirurgia já estava trabalhando, e a oportunidade de fazer tudo de casa (sim, isso era novidade à época), sem enfrentar trânsito e outras distrações, me permitiu um onboarding na nova função muito rápido. Além disso, o home office me ofereceu a habilidade de abstrair com mais facilidade os processos, os gargalos e os desafios de gestão e propor novas soluções e ideias com mais efetividade e velocidade.

Resultado: 175% de crescimento no meu primeiro ano à frente da equipe, turnover zero em 2 anos e crescimento de 50% da equipe ao deixar a posição 24 meses depois. Trabalhei por outros 8 anos na mesma empresa, recebi outras 4 promoções, fui expatriado e, sim, tive mais uma ou duas interrupções que só me fizeram crescer como profissional, mas especialmente como ser humano.

Pouco antes de completar 40 anos, recebi a — até então — mais importante promoção da minha vida profissional, assumir uma parte relevante do Marketing para os Estados Unidos. Havia razões mil para celebrar com a família e amigos, porém eis que, mais uma vez, a imperfeição se apresenta em minha vida.

Por ironia do destino, na semana do anúncio (sim, a exemplo do que ocorreu anteriormente), ao realizar um exame de rotina descobri um aneurisma de aorta em estágio de dilatação altíssimo, cujo tratamento foi uma cirurgia de “peito aberto” de urgência. Mais uma vez, estava eu ali ansioso e apreensivo, afinal de contas eu precisava assumir a nova posição.

“Um outro exemplo bacana de como a imperfeição trouxe um impacto positivo em minha vida é a produtividade”

Novamente, a prova de que “John Galt” de fato só existe na “Terra plana” dos cursinhos de gestão. A atenção, o suporte e o acolhimento que recebi da minha liderança foram simplesmente incríveis.

Um dos meus maiores mentores da vida e, por sorte, meu chefe, me ofereceu todo o suporte necessário para que eu pudesse passar por aquele momento difícil, e o apoio do time do qual faço parte foi igualmente incrível. O que veio de bom desse fato? Aceleramos a promoção de uma de nossas “top talents”. Afinal de contas, uma vez que ela assumira interinamente o meu papel durante minha ausência, era lógico oficializá-la na função.

Um outro exemplo bacana de como a imperfeição trouxe um impacto positivo em minha vida é a produtividade. Está muito em voga hoje em dia, graças ao coachs (sic) que pululam nas redes sociais, o incentivo para que as pessoas acordem cada vez mais cedo.

Uma das características (ou sintomas) percebidos em pacientes com a minha síndrome é alguma dificuldade em lidar com o sono, o que fez com que, desde os 6 ou 7 anos de idade, eu acordasse entre 3 e 4 horas da manhã.

No mundo corporativo, essa imperfeição tornou-se uma grande vantagem competitiva, pois tinha muito mais tempo para estudar e trabalhar do que a maioria dos meus pares. Sempre fui o primeiro a chegar no escritório e, por longos anos da minha vida, o último a sair. Eu já era do “Clube das 4h” muito, mas muito antes de ser modinha.

Empatia e respeito

Mas sem dúvida, a maior vantagem que a imperfeição me deu foi fazer de mim um “gestor agoniado”, alguém que genuinamente se ressente dos percalços da equipe, que obstinadamente busca sempre o melhor resultado (lembremos que eu sempre tenho em mente que preciso fazer mais e melhor), mas especialmente, que me solidarizo com cada agrura dos indivíduos.

Dizem que equipes são “organismos vivos” ou “engrenagens”. Na minha opinião, isso é balela. Equipes são grupos de pessoas, de seres humanos que sofrem de depressão, ansiedade, medos, problemas de saúde alguns mais sérios, outro menos. São pessoas que têm crises familiares, que perdem aqueles que amam, mas que, ainda assim, dedicam a maior parte do seu dia a um trabalho que, ao fim e ao cabo, representa para eles um sonho de vida.

Se o evento global da pandemia de Covid-19 não foi suficiente para que todo e qualquer gestor fizesse um exercício “descartiano” de revisão de suas idiossincrasias e realinhamento das mesmas em bases sólidas de empatia e respeito à diversidade, creio que nada mais será!

Assumi minha primeira gerência aos 26 anos e, desde então, sempre apliquei um valor essencial: People First. Não preciso trazer aqui frases de efeito para corroborar quão assertivo é esse comportamento. Eu, instintivamente, sempre segui os ensinamentos do CEO do SAS, Dr. Jim Goodnight, que diz: If you treat your employees like they make a difference, they will! (Se você tratar seus funcionários como pessoas que fazem a diferença, eles farão, em português) Ah, e claro, outro mote importante: Just don’t be an a$%! (Apenas não seja um idiota!, em português).

“De maneira implacável, o ambiente corporativo nos diz que temos que estar no tempo e velocidade dos outros”

Voltando à pergunta que foi o fio condutor deste artigo, basta uma rápida consulta ao Google para nos depararmos com um sem-fim de dicas sobre quais seriam as respostas “certas” para tal indagação. Essas dicas são encontradas em artigos com leads interessantes como “seja ninja em entrevistas de emprego”, e claro, aquele que não poderia faltar, o cálice sagrado dos coachs e seus cochees; o famigerado “seja f#&a em entrevistas de emprego”.

Qual seria a sua resposta sincera? Não vale “disciplinado”, “assertivo” ou “viciado em metas”. Busque dentro de si o que te faz ser uma pessoa tão especial, única, e porque isso faria a diferença para uma organização.

O meu convite aqui é: coloque seus sonhos de vida, projetos profissionais, sua família, mas, especialmente, a sua história numa perspectiva correta.

De maneira implacável, o ambiente corporativo nos diz que temos que estar no tempo e velocidade dos outros. Constantemente sentimos que estamos atrasados, que todos estão subindo a montanha e sequer sabemos para onde ir. Mas digo com certeza: é mentira! Todo mundo está meio perdido, tem gente correndo, outros subindo, mas sem saber a direção ou o porquê.

Você não precisa correr, apenas se movimente. Ande pra lá e pra cá, aprendendo, conhecendo gente e tendo novas experiências, ainda que o destino não lhe seja claro.

Você não está completo, ainda não está perfeito e ainda não acabou! É só não ficar parado que uma hora seu caminho aparece. Não falha nunca. Ou falha…

Histórias de vida podem muito bem ser “perfeitamente imperfeitas”.

Kleber Wedemann

Advogado e líder de Comunicação e Marketing para América Latina, Caribe e EUA de Vendas Indiretas, na SAS

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