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Após sofrer um acidente, Rodrigo Hübner Mendes se tornou tetraplégico e iniciou uma vida completamente nova e diferente do que havia planejado. Entre muitos desafios e conquistas, tornou-se educador, superintendente e fundador do Instituto Rodrigo Mendes, e lançou a autobiografia “O potencial da mudança”. Confira um trecho da obra
Imagem da Pixabay

A editora Objetiva é parceira da revista Parepense e gentilmente autorizou a publicação de um trecho do livro O potencial da mudança – O desafio de navegar pelas incertezas, de Rodrigo Hübner Mendes, que pode ser adquirido em no site da Cia. das Letras

Repare:

  • apoiando-se na própria história e no interesse pelo tema mudança, o autor desenvolveu um modelo comportamental, que contribui para a tomada de decisões mais consciente e responsável;
  • por um lado, o modelo envolve as vertentes ruptura e continuidades, ambas muito presentes nos movimentos que fazemos ao longo de nossa trajetória;
  • por outro lado, estão as vertentes deliberações e imposições, cobrindo dois tipos de acontecimento, aqueles sobre os quais temos escolhas e aqueles que não podemos escolher, como um acidente ou doença;
  • o cruzamento desses eixos gera uma matriz com quatro situações clássicas: a estabilidade, a estagnação, a mudança por opção e a mudança por imposição;
  • o autor destaca que situações opostas, como estagnação e estabilidade, podem ocorrer simultaneamente em diferentes esferas (pessoal, conjugal, familiar, profissional etc);
  • a matriz, de acordo com Hübner, ajuda a refletir sobre em quais quadrantes desejamos estar em cada esfera da vida e enfatiza o conceito de impermanência, da filosofia budista, que prega que tudo pode mudar sempre
  • essa edição da Parepense também traz uma entrevista com o autor.

Excerto – Páginas 101 a 106 do livro O potencial da mudança – O desafio de navegar pelas incertezas, de Rodrigo Hübner Mendes, da editora Objetiva

Refletir sobre mudanças havia se tornado uma espécie de hábito desde que iniciara minha vida universitária. Me inquietava conhecer melhor quais eram os processos psicológicos por trás dos pontos de virada em nossa trajetória. Essa curiosidade ficava nítida em minhas visitas à livraria da FGV, que sempre me levavam às prateleiras com livros sobre transformações sociais e pessoais. Nessa época, tornou-se comum receber convites para conversar com jovens e outros públicos que passavam por fases de transição.

Visando mergulhar mais profundamente nas reviravoltas enfrentadas por qualquer pessoa, desenvolvi um modelo que usarei como fio condutor da argumentação construída ao final deste livro. Cabe esclarecer que todo modelo é, por definição, imperfeito. Como se sabe, tipologias são simplificações. Essa premissa ganha colorações mais intensas quando nos referimos ao comportamento humano. A complexidade dos fenômenos nesse território impede que um instrumento cartesiano, por mais sofisticado que seja, dê conta de explicar a realidade. Porém, desde que abordado com a devida cautela, o modelo tem potencial para nos ajudar a desanuviar os mares e portos em que navegamos ao longo da vida.

Testei-o por mais de uma década em minhas aulas relacionadas à liderança e, aparentemente, a ferramenta cumpre sua tarefa. Vou apresentar uma síntese do modelo, o que parece ser suficiente para o propósito do livro.

Quando paramos para reconstituir a linha da vida de uma pessoa, identificando os fatos que mais influenciaram seus rumos, observamos que é possível classificá-los em duas vertentes: continuidades e rupturas. A primeira contempla períodos caracterizados por uma preservação do status quo, ou pela repetição de um determinado padrão estabelecido. A segunda diz respeito a circunstâncias marcadas por mudanças e desvios de rota.

“Mesmo que tenhamos objetivos claros para cada fase da vida é inevitável que nossa jornada se movimente”

Sob outro ponto de vista, as situações podem também ser organizadas com base em duas categorias adicionais: deliberações e imposições. Na primeira, temos liberdade para tomar decisões sobre nosso percurso — o leme é intencionalmente direcionado por uma deliberação do navegador. Na segunda, somos coagidos por forças externas, que fogem ao nosso controle e nos impõem itinerários muitas vezes indesejados — contra a sua vontade, o marinheiro perde o comando do leme.

O cruzamento desses dois eixos resulta em uma matriz que engloba quatro situações clássicas da trajetória humana: a estabilidade, a estagnação, a mudança por opção e a mudança por imposição.

Algumas considerações precisam ser feitas a respeito desse modelo. Em primeiro lugar, nossas histórias não são estáticas, mas transitam por todos os quadrantes. Mesmo que tenhamos objetivos claros para cada fase de nossa vida — o que não é muito comum, tendo em vista que passamos por momentos de incerteza sobre o que desejamos —, é inevitável que nossa jornada se movimente e circule entre as quatro situações integrantes do modelo. Ou seja, existe uma dinamicidade implícita a qualquer percurso.

Essa constatação dialoga com o conceito de “impermanência”1 da filosofia budista.

“A sensação de controle é uma de nossas fontes de bem-estar e saúde mental”

Como segunda consideração acerca do modelo, merece também ser pontuado que nosso cotidiano é constituído por múltiplas dimensões. Diferentes situações ocorrem simultaneamente nos aspectos sociais, profissionais, conjugais, interpessoais, entre outros. Uma mesma pessoa pode estar passando por um momento de estabilidade em sua vida conjugal, enquanto enfrenta uma estagnação profissional, acompanhada por uma mudança por opção no âmbito interpessoal e uma mudança por imposição nas suas relações sociais. Tudo isso, concomitantemente. Em outras palavras, o modelo é multidimensional.

Além disso, cabe explicar que suas linhas têm uma função meramente didática. Essas divisões não são precisas e lineares, mas porosas e móveis. Os dois eixos que estruturam a matriz simbolizam contínuos marcados por inúmeras gradações de intensidade. Qualquer desenho seria insuficiente para endereçar a complexidade e as entremeadas nuances da realidade em que navegamos.

Cabe também destacar que a proporcionalidade da área ocupada por cada quadrante da matriz não corresponde à simetria temporal. Nesse aspecto, as situações de continuidade — estabilidade e estagnação — costumam levar períodos mais longos que as de ruptura. Tanto mudanças por opção quanto por imposição tendem a ser mais instantâneas e passageiras. Ao dividir meu incômodo com essa lacuna na representação visual oferecida pela figura do modelo, meu amigo Candido Bracher respondeu com seu admirável estilo que concilia sabedoria e humildade: “Você passa muito mais tempo subindo uma montanha de bicicleta que descendo. No entanto, a distância física é a mesma”.

Tendo em vista que, em geral, estamos desatentos à dinâmica explorada pelo modelo, algumas perguntas me parecem fundamentais para que possamos nos entender melhor, refletir com mais densidade sobre as marés que atravessamos e usufruir de nossos potenciais. A começar pela indagação: em quais quadrantes da matriz almejamos estar em cada dimensão da vida?

Tenho feito essa pergunta em minhas palestras e, seja qual for o perfil e o repertório de quem está na plateia, as respostas são muito semelhantes. As pessoas manifestam uma preferência pelos quadrantes de deliberação. Isso se explica por vários motivos. Primeiro porque a estabilidade e a mudança por opção estão associadas à liberdade, à autonomia para decidir. De acordo com Dan Gilbert, psicólogo da Universidade Harvard, nosso desejo de controle é tão forte, e o sentimento de estar no controle tão recompensador, que as pessoas agem como se fosse realmente possível controlar o incontrolável.

“Não importa qual seja o sobrenome e o endereço de uma pessoa, em algum momento ela será confrontada por maremotos”

Isso ajuda a esclarecer por que não achamos muita graça em assistir à gravação de um jogo que já terminou, mesmo quando não sabemos o placar final. O fato de a partida ter sido concluída elimina nosso ímpeto de acreditar que nossa torcida vai, de alguma forma, chegar ao estádio e influenciar o rumo da bola após ter sido chutada em direção ao gol. Vários estudos nessa linha levaram alguns pesquisadores a concluir que a sensação de controle é uma de nossas fontes de bem-estar e saúde mental. Mesmo quando não sabemos qual será o nosso porto de destino, poder conduzir o leme de um barco pelo rio da vida representa uma mina de satisfação que nos seduz o tempo todo.

Esse comportamento produz uma das grandes ilusões da trajetória humana, que eu chamo de ilusão do controle. Não é raro incorporarmos a crença de que é possível controlar permanentemente o desenho da nossa navegação. É evidente que esse equívoco resulta de uma miopia de muitos graus. Não importa qual seja o sobrenome e o endereço de uma pessoa, em algum momento ela será confrontada por maremotos, perderá o controle e passará por uma mudança imposta, seguida talvez de estagnação. Isso é inevitável. Epicteto, filósofo grego do século I, já defendia essa ideia de forma ainda mais contundente. Segundo ele, “algumas coisas estão sob o nosso controle e outras não estão. Só depois de aceitar esta regra fundamental e aprender a distinguir entre o que podemos e o que não podemos controlar é que a tranquilidade interior e a eficácia exterior tornam-se possíveis”.2

É claro que essa reflexão precisa ser conduzida com ponderação. Boa parte da nossa rotina é composta por ações que foram planejadas e, posteriormente, executadas. Não é à toa que a frase “A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo”, creditada a Abraham Lincoln, ainda gera repercussão sempre que citada. Em outras palavras, dispomos de um razoável nível de gerência daquilo que vivemos ao longo das 24 horas de cada dia. O risco é cair na tentação de acreditar que esse comando é absoluto e inabalável.

O segundo fator que induz as pessoas a preferirem os quadrantes de deliberação e fugirem das situações de imposição diz respeito às projeções relacionadas à realização pessoal. Herdamos e nutrimos a crença de que isso só é possível quando temos a opção de decidir, enquanto a imposição necessariamente empurra a pessoa para o fracasso. Esse modelo mental nos influencia, mesmo quando nos esforçamos para estar mais conscientes em relação às circunstâncias em que estamos imersos.

E qual seria, então, o melhor quadrante para se alcançar a realização pessoal? Isso depende da premissa assumida. Existem inúmeras definições para essa expressão abstrata. Inspirado no conceito de “eudaimonia”3 de Aristóteles, proponho que consideremos a realização pessoal como sendo o desenvolvimento máximo de nosso potencial humano. Segundo essa definição, qual deveria ser o quadrante mais apropriado para atingirmos essa tão buscada meta?

Como tantas histórias que conhecemos, as que escolhi contar neste livro podem, quem sabe, fornecer pistas para a busca por respostas.

Referências

1 – RINPOCHE, Sogyal, O livro tibetano do viver e do morrer. 12. ed. Rio de Janeiro: Palas Athena, 1999

2 – EPICTETO, A arte de viver. Rio de Janeiro: Sextante, 2018

3 – Eudaimonia pode ser entendida como a realização máxima, ou seja, uma vida plena e feliz

Rodrigo Hübner Mendes

Educador, superintendente e fundador do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), e autor de “O potencial da mudança - O desafio de navegar pelas incertezas”

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