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Até que ponto expor casos de jovens que tiraram a própria vida estimula atos semelhantes? Anna Mueller, professora da Universidade de Indiana, e Seth Abrutyn, professor da Universidade da Colúmbia Britânica, mostram que o perigo de contágio existe, mas falar sobre o problema é indispensável
Imagem da Freepik

O artigo “O suicídio é contagioso?” foi publicado originalmente no site The Conversation em 3 dezembro 2015 e atualizado em 25 março 2019

Repare:

  • em pesquisa realizada em 2015, os autores identificaram que adolescentes que sabem sobre a tentativa de suicídio de um amigo têm quase o dobro de probabilidade de tentar tirar a própria vida um ano depois;
  • já os jovens que perdem um amigo para o suicídio, correm perigo ainda maior, enquanto aqueles que desconhecem as tentativas de amigos não enfrentam um aumento significativo de risco de suicídio um ano depois;
  • porém, abrir mão do diálogo e da transparência sobre esse tema é desaconselhável, já que ambos são recursos poderosos nas iniciativas de prevenção e posvenção;
  • o melhor caminho, segundo os autores, é treinar os adolescentes para lidar com o turbilhão psicológico que pode ser desencadeado pela notícia de que um amigo se suicidou ou tentou se suicidar.

Dois estudantes que sobreviveram ao tiroteio na Marjory Stoneman Douglas High School, em Parkland (Flórida), em 2018, cometeram suicídio, ampliando a tragédia que a comunidade vivenciou. Será este mais um exemplo de um fenômeno que alguns apelidaram de “contágio suicida”?

Nos últimos anos, pesquisas têm mostrado que o suicídio tem o potencial de se espalhar por meio de redes sociais. Se alguém é exposto à tentativa de suicídio ou à morte de um amigo, isso aumenta o risco dessa pessoa ter pensamentos e tentativas suicidas.

As consequências podem ser devastadoras para famílias, colegas de classe e moradores da cidade, que ficam lutando para entender por que grupos de suicídios estão ocorrendo em suas comunidades. Nos últimos anos, vimos isso acontecer em Newton (Massachusetts) e Palo Alto (Califórnia).

Mas o papel do contágio talvez seja um dos aspectos menos compreendidos do suicídio, o que nos coloca em desvantagem significativa quando se trata de elaborar estratégias eficazes para prevenir a disseminação de suicídios.

Em um estudo de 2015, examinamos se o conhecimento da tentativa de suicídio de um amigo influenciaria o risco de alguém tentar suicídio. Usando dados longitudinais, descobrimos que adolescentes que sabem sobre a tentativa de suicídio de um amigo têm quase o dobro de probabilidade de tentar suicídio um ano depois. Jovens que perdem um amigo para o suicídio correm um risco ainda maior. Curiosamente, adolescentes cujos amigos não lhes contaram sobre suas tentativas de suicídio não experimentaram um aumento significativo em seu risco de suicídio um ano depois.

Nosso estudo tem diversas implicações interessantes para a prevenção do suicídio. Primeiro, vivenciar a tentativa de suicídio ou a morte de um amigo parece mudar o perfil de risco dos adolescentes de forma significativa. Todos nós somos expostos ao suicídio em algum momento, seja lendo Romeu e Julieta ou simplesmente assistindo ao noticiário. Mas a exposição à tentativa de suicídio ou à morte de um amigo parece transformar a ideia distante de suicídio em algo muito real: um roteiro cultural significativo e tangível que os jovens podem seguir para lidar com a angústia.

“O contágio não é produto de adolescentes escolhendo amigos vulneráveis”

Em segundo lugar, seguindo o velho ditado “pássaros da mesma plumagem voam juntos”, alguns argumentaram  que adolescentes deprimidos podem simplesmente fazer amizade uns com os outros, o que explica por que grupos de amigos têm taxas de suicídio semelhantes – e que contradiz a teoria do contágio do suicídio.

No entanto, nossas descobertas se somam à literatura indicando que o contágio do suicídio não é meramente um produto de adolescentes escolhendo amigos que são similarmente vulneráveis ​​ao suicídio. Se o contágio não importasse, o conhecimento sobre tentativas de suicídio também não deveria importar. Em vez disso, é visível que somente se os jovens souberem sobre a tentativa de suicídio de seus amigos é que seu risco de suicídio aumenta.

Então o que fazemos com esse conhecimento? É claro que o suicídio não é simplesmente um produto de doença psicológica ou fatores de risco psicológicos. A exposição ao suicídio, mesmo que seja apenas uma tentativa, é emocionalmente devastadora, e os jovens precisam de apoio ao lidar com as emoções complexas que se seguem. Aqui, a prevenção – ou, como às vezes é chamada, “estratégias de pósvenção” – se torna crucial.

Uma implicação clara do nosso trabalho é que, durante as triagens para risco de suicídio, os jovens devem sempre ser questionados se eles conheceram ou não alguém que tentou ou morreu por suicídio. Na verdade, muitas ferramentas confiáveis ​​para triagem de jovens para suicídio incluem perguntas sobre exposição ao suicídio.

Isso parece razoável. Mas então as coisas ficam obscuras. Dado o que nossa pesquisa mostrou, é natural se perguntar se alguém que tentou suicídio deve ou não ser desencorajado de falar sobre isso. Há o medo de que, se falarmos sobre suicídio, possamos estar inadvertidamente promovendo-o.

Ao mesmo tempo, se encorajarmos as pessoas a não falarem sobre suicídio – especialmente os jovens – podemos perder oportunidades de ajudar aqueles que estão sofrendo e pensando em tirar a própria vida.

“Não falar sobre suicídio aumenta o isolamento e o risco de um ato extremo”

Além disso, sentir que você pertence a um grupo – apoiado por amigos e familiares, tendo uma vida social saudável – é essencial para prevenir o suicídio. Se encorajarmos os jovens a não falarem sobre suicídio, podemos aumentar involuntariamente o sentimento de isolamento de adolescentes suicidas, o que contribui para o risco de suicídio.

Por causa do estigma generalizado da doença mental e do suicídio, muitas vezes é muito difícil para as pessoas admitirem que precisam de ajuda. Então, em vez de encorajar o silêncio sobre o tema suicídio, pode ser melhor treinar adolescentes sobre como responder apropriadamente quando um amigo revela uma tentativa de suicídio ou pensamentos suicidas.

Felizmente, existem programas baseados em evidências como Question, Persuade, Refer e SOS Signs of Suicide . Eles podem ensinar aos jovens estratégias para obter ajuda de amigos de fontes apropriadas. A propósito, esses programas são frequentemente oferecidos em escolas.

Além disso, é importante que pais, professores e educadores, de forma geral, se sintam confortáveis ​​ao falar sobre suicídio. Eles precisam estar bem familiarizados com as respostas adequadas e perceber que uma tentativa de suicídio pode ter um efeito cascata que repercute além do indivíduo.

Afinal, é quando os adolescentes são deixados sozinhos para lidar com o sofrimento dos amigos que eles se tornam mais vulneráveis ​​a sucumbir às mesmas ideações e comportamentos suicidas.

Se você vem tendo pensamentos suicidas, fale com o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo telefone 188 ou pelo site https://cvv.org.br/

Anna Mueller

Professora do departamento de sociologia e pesquisadora do programa de saúde mental, suicídio e adicções do Intituto Irsay da Universidade de Indiana (EUA)

Seth Abrutyn

Professor de Sociologia na Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá)

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